Isolada, desatualizada e assistindo o esvaziamento de funções da pasta, a ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática tem data de validade no governo
Brasília – Após ser hostilizada por três senadores da Bancada do Norte e abandonar a audiência na Comissão de Serviços Ambientais do Senado (CI) na terça-feira (27), onde foi convidada a prestar esclarecimentos sobre a criação de quatro Unidades de Conservação Marinha (UCM) no Amapá, o que prevaleceu foram cobranças sobre os atrasos na liberação de licenças ambientais que paralisam mais de 5 mil obras no país, algumas cruciais para o desenvolvimento e a implantação de infraestrutura no abandonado Norte do Brasil. Isolada após o incidente, a ministra teve que se contentar com tímidas notas de apoio de algumas ministras e uma acanhada ligação de “apoio moral” do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que se limitou a dizer: “Você agiu certo em se retirar da audiência”.
A impressão é que Marina Silva tem data de validade no governo, cuja ala desenvolvimentista do Palácio do Planalto sempre foi um obstáculo para que a deputada licenciada tenha a autonomia necessária na gestão de uma pasta considerada estratégica para o próprio governo.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, tem enfrentado um isolamento político significativo durante o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), iniciado em 2023. Este cenário reflete uma combinação de fatores históricos, políticos e institucionais que impactam diretamente as políticas ambientais e climáticas do Brasil.
Marina Silva é uma figura reconhecida internacionalmente por sua luta em defesa do meio ambiente. Ela ocupou o cargo de ministra do Meio Ambiente entre 2003 e 2008, durante os primeiros mandatos de Lula, período em que implementou políticas importantes para a redução do desmatamento na Amazônia. No entanto, sua saída do governo em 2008 foi marcada por divergências com a ala desenvolvimentista do PT, especialmente em relação a projetos de infraestrutura como a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, que ela considerava ambientalmente insustentáveis. Esse embate gerou um afastamento político entre Marina e o núcleo duro do partido, que perdurou por pelo menos 15 anos.
Sua nomeação em 2023, no início do terceiro mandato de Lula, foi vista como um gesto de reconciliação e um sinal de compromisso do governo com a agenda ambiental, especialmente após os altos índices de desmatamento durante a gestão anterior. Apesar disso, o contexto político atual, marcado por um Congresso conservador e pela influência de setores econômicos como o agronegócio, tem dificultado a consolidação de sua posição, reacendendo tensões históricas e contribuindo para seu isolamento político dentro do próprio governo.
Em maio de 2023, o Congresso Nacional aprovou a Medida Provisória 1.154/2023, que reorganizou a estrutura ministerial do governo. Essa medida transferiu competências cruciais do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) para outras pastas, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e a Agência Nacional de Águas (ANA). Essa decisão enfraqueceu a autoridade de Marina Silva, limitando seu poder de ação sobre políticas ambientais fundamentais.
Dados recentes mostram que, em 2024, a área queimada no Brasil aumentou 150% em relação a 2023, uma área equivalente ao tamanho do estado de Roraima. Esse crescimento está diretamente associado a ações humanas e à falta de integração entre políticas de saneamento, defesa civil e proteção ambiental, refletindo a fragilidade da agenda ambiental no governo atual.
A ausência de um diálogo eficiente entre a pasta comandada por Marina Silva e outros ministérios, como os de Transportes e Agricultura, impede a criação de políticas integradas que conciliem desenvolvimento econômico e sustentabilidade.
Segundo Round
Na noite de terça, o senador Marcos Rogério (PL-RO), presidente da CI, confirmou que vai apreciar um requerimento de convocação da ministra para voltar ao colegiado para continuar a prestar explicações sobre a pauta anterior. Isso significa que, se a ministra não atender à convocação sem uma justificativa adequada, incorrerá em crime de responsabilidade. Essa situação é tipificada no artigo 50 da Constituição Federal e no artigo 13, III, da Lei nº 1.079/1950.

A audiência de terça-feira foi marcada por momentos de forte tensão pessoal. O senador Plínio Valério (PSDB-AM) iniciou sua fala dizendo que “a mulher merece respeito, a ministra não”, o que levou Marina Silva a exigir um pedido de desculpas e, diante da recusa, a se retirar da audiência. Ela também relembrou que o senador já havia falado em “enforcá-la” em outra ocasião.
Marina Silva justificou sua atitude: “Sou ministra do Meio Ambiente, foi nessa condição que eu fui convidada e, ao ouvir um senador dizer que não me respeita como ministra, eu não poderia ter outra atitude.”
Houve também um desentendimento anterior com o senador Marcos Rogério, a quem Marina Silva disse não ser “uma mulher submissa”, recebendo como resposta a ordem para se “pôr no seu lugar”. O senador Rogério Carvalho (PT-SE) criticou a postura de Plínio Valério, classificando a manifestação de desrespeito como inaceitável em um debate institucional.
Os ânimos à flor da pele desde o início da audiência estão associados a uma manobra istrativa do ministério comandado por Marina Silva, em criar quatro UCMs no Amapá, que tem 74% de todo o seu território composto por Unidades de Conservação, reclamou o senador Lucas Barreto (PSD-AP), autor do requerimento de pedido de audiência com a ministra, num momento em que se vislumbra a possível reconsideração do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em liberar uma licença, antes negada, que permita à Petrobras perfurar um poço no Bloco 59, para pesquisar a presença e o potencial de exploração econômica de petróleo na Costa do Amapá.

De acordo com o senador amapaense, a criação dessas Reservas de Marinha tem o objetivo de travar a exploração de petróleo na região.
Em resposta aos questionamentos, a ministra defendeu que a instituição das unidades de conservação não impede a pesquisa e a exploração de petróleo em águas profundas, mas exige o licenciamento ambiental. Ela ressaltou que o pedido de criação dessas UCMs data de 2005 e que o país possui um déficit de 10 milhões de hectares de unidades de conservação. Marina Silva também afirmou que o Ibama atua de forma técnica, cumprindo as regras, e que a Petrobras adequou seus planos às determinações do órgão.
“A criação da unidade de conservação no Amapá não incide sobre os blocos de petróleo e não foi criada agora para inviabilizar a Margem Equatorial.” “O Ibama não facilita, nem dificulta, ele cumpre as regras”, justificou Marina Silva.
Isolamento
O evento expôs claramente o conflito de narrativas entre a preservação ambiental e o desenvolvimento econômico. Enquanto a ministra defende a sustentabilidade e a ciência como pilares de sua gestão, senadores de estados com forte dependência de atividades como a exploração de petróleo e a agropecuária pressionam por maior celeridade nos licenciamentos e menos restrições ambientais.
A audiência demonstra o poder do Legislativo em convocar ministros para prestar contas, mas também a fragilidade das relações interinstitucionais quando há desrespeito pessoal e político. A retirada da ministra é um ato de protesto que sublinha a dificuldade de diálogo em um ambiente polarizado.
Impacto na Imagem do Governo
O episódio multiplica o desgaste da imagem do governo, que tem a agenda ambiental como um de seus pilares internacionais, mas enfrenta resistência interna. A imagem de uma ministra sendo desrespeitada publicamente pode ter repercussões na opinião pública e na base de apoio do governo.
A discussão sobre a demora nos licenciamentos e a Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 2.159/2021), já aprovada pelo Senado, indica uma pressão contínua para flexibilizar as regras ambientais em prol de projetos econômicos. Isso pode ter implicações significativas para a proteção de biomas sensíveis como a Amazônia.
A insistência dos senadores na liberação da exploração na Margem Equatorial, apesar das ressalvas ambientais, mostra a prioridade econômica dada a essa região. O Ibama, como órgão técnico, permanece no centro dessa disputa, com sua autonomia sendo constantemente testada.
A cobrança sobre os dados de desmatamento e a defesa da ministra sobre a possibilidade de zerar o desmatamento sem comprometer a produção agrícola são cruciais para as metas climáticas do Brasil e sua imagem internacional. A restauração de áreas degradadas é apresentada como uma solução para conciliar produção e conservação.
O incidente na CI pode azedar ainda mais a relação entre o Ministério do Meio Ambiente e parte do Congresso Nacional, dificultando a aprovação de pautas ambientais e a implementação de políticas públicas. A convocação da ministra para uma nova votação na próxima reunião deliberativa do colegiado, mencionada pelo senador Marcos Rogério, indica que o tema ainda está longe de ser pacificado.
Os debates na audiência revelaram profundas divergências sobre o ritmo e a forma de exploração de recursos naturais, a importância do licenciamento ambiental e a interpretação dos dados de desmatamento. Além das questões técnicas e políticas, o evento foi marcado por um nível de confronto pessoal que culminou na retirada da ministra, evidenciando a polarização e a dificuldade de diálogo em temas sensíveis. O episódio sublinha a complexidade da governança ambiental no país e as tensões inerentes à busca por um equilíbrio entre progresso e sustentabilidade.
O isolamento político de Marina Silva no terceiro mandato de Lula reflete um embate entre diferentes visões de desenvolvimento dentro do governo, agravado por decisões institucionais e pressões econômicas. Seus impactos são evidentes no aumento de queimadas (150% em 2024) e nas críticas internacionais, que apontam contradições nas políticas brasileiras. Superar esse cenário exige um esforço conjunto para alinhar interesses internos, fortalecer o Ministério do Meio Ambiente e reafirmar o compromisso do Brasil com a sustentabilidade. Caso contrário, o país corre o risco de perder credibilidade em um momento crucial, às vésperas da 30ª Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP30), que será entre 10 e 21 de novembro, em Belém do Pará.
* Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.