O primeiro grande impacto do professor que viveu a vida inteira na cidade e vai trabalhar no interior é a sociabilidade das pessoas. Você dá bom dia e alguém realmente responde e mais, ainda pergunta da sua vida ou conta da dela, como se fossem amigos de infância. A carona é dada para desconhecidos e dois em uma moto na rua deserta não vão te assaltar – bom, pelo menos ainda não aconteceu -, pelo contrário, ainda vão te saudar com algum som, tipo “Ui”, “uuuh” ou “eeeba”, com feição generosa.
Por lá, o professor ainda tem algum respeito, clamor ou representa parte importante da sociedade. É comum o convite para um cafezinho, ganhar frutos e convites de aniversário ou almoço. É sobre esse último convite que permeia alguma tensão com o desenrolar da vivência no local.
A comida no interior é muito saborosa, mas se você tem um paladar infantil como o meu, vai o alerta: no interior da Amazônia é muito comum comer carne de caça. Sim, sabe a mucura que você só conhece se referindo ao Paysandu? Lá pode ser o prato principal, assim como o macaco, o bicho preguiça, o tatu, cobra, jacaré, dentre outros que você nem conhece por nome.
O panorama se torna ainda mais tenso porque os convites para o almoço são acompanhados de um sorriso irrecusável de pessoas que, mesmo tendo pouco, tem grande honra de dividir. No caminho até a mesa para se servir, não existe ateu: todos clamam a Deus pra ser algum dos parentes das galinhas que ciscam no quintal ou que finalmente tenham esquartejado o gado.
– Tudo bem, vou colocar só um pouco porque, caso não gostar, ao menos termina rápido. Pensei. Mas o interiorano fica de olho e faz questão você encha o prato, é honra, é para o professor, santíssima autoridade local.
Enquanto coloco a comida, com muito orgulho o dono da casa conta os detalhes da caça que foi raptada na noite ada – meu pai, ainda está recente -, a armadilha que usou, como terminou de matar e toda a superstição que a envolve, como não deixar mulher menstruada se aproximar. Enfim, é tanta informação que você não tem como recusar aquela parte importante da fauna amazônica acompanhada de arroz e feijão.
O primeiro pedaço não conta, pois está na sua boca, mas ainda com receio, vai direto ao estômago quase sem mastigar. No segundo, há algum estranhamento, mas não parece o fim do mundo. No terceiro, tatu fica parecendo carne de porco ou frango. Fixo esse pensamento e vou até o final: não é tatu, é porco, opa, uma delícia. Só volta a virar tatu quando vou contar pra alguém e me gabo por ser agora um homem da roça, bem diferente de você, cidadão da cidade e cheio de frescura.
Não foi um terror, mas para outros professores, sim. Uma colega contou que foi almoçar e prato principal era macaco e detalhe: os braços do pobre estavam estendido – feito roupa – em um varal no quintal. Ela viu tudo. Inventou uma desculpa e se mandou do local.
Esse povo da cidade é cheio de frescura!