Em Belém, uma cidade que depende fortemente de importações do Centro-Sul do Brasil para abastecer suas prateleiras, a agricultura familiar do interior paraense representa uma alternativa vital para o o a alimentos frescos, saudáveis e íveis. No entanto, a repressão a uma tradicional feira de produtos orgânicos, realizada às sextas-feiras na capital, expõe a fragilidade do apoio a esses produtores e levanta questões sobre as prioridades da gestão urbana.
Nesta sexta-feira (13), feirantes do interior do Pará, em protesto contra a tentativa de retirada forçada de suas barracas, bloquearam a rua Antônio Baena, às proximidades do estádio do Clube do Remo, no bairro do Marco, gerando impacto no trânsito e chamando a atenção para sua causa.
Os produtores, que há anos comercializam, em área próximo à tradicional Feira da 25, itens como frutas, verduras, farinhas e outros produtos orgânicos cultivados em pequenas propriedades familiares, foram surpreendidos por uma ação policial que buscava desocupar o local. A justificativa da prefeitura de Belém, por meio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (Sedcon), é que a feira estaria ocupando a via de forma desordenada e sem licença, além de ser necessária a liberação do espaço devido a obras relacionadas à COP 30, evento global que a cidade sediará.
Contudo, os feirantes relatam que haviam se cadastrado junto à prefeitura para serem realocados à Feira do Jurunas, bem distante do local em que atuam, uma promessa que, segundo eles, não foi cumprida.
Cavalaria, spray e apreensão
A cena descrita pelos trabalhadores é alarmante: policiais armados com spray de pimenta e até a presença de cavalaria, prontos para dispersar o grupo. “Tem meio mundo de polícia aqui, a gente fica apreensivo”, desabafou um feirante, em relato que reflete o clima de tensão.
Para esses produtores, a feira não é apenas um ponto de venda, mas um espaço de resistência econômica e cultural. Vindos de cidades do interior, como Abaetetuba, Igarapé-Miri e outras regiões ribeirinhas, eles trazem produtos de qualidade a preços mais baixos que os praticados em supermercados e feiras tradicionais de Belém, oferecendo uma alternativa ível à população e reduzindo a dependência da cidade por alimentos importados.
A importância dessa feira vai além da economia local. Em um contexto em que Belém enfrenta desafios logísticos e altos custos para importar alimentos, a agricultura familiar do interior paraense é uma solução sustentável, que fortalece a segurança alimentar e preserva práticas agroecológicas.
Esses feirantes carregam o conhecimento ancestral de cultivo em harmonia com a floresta, contribuindo para a conservação ambiental em uma região marcada por pressões do desmatamento. Além disso, a comercialização direta elimina intermediários, garantindo preços justos tanto para o produtor quanto para o consumidor.
Prefeitura diz que avisou
A resposta da Prefeitura de Belém, que alega ter avisado os feirantes com antecedência e oferecido apoio para o remanejamento, não convence os trabalhadores, que se sentem desamparados. A Sedcon afirmou estar aberta ao diálogo, mas a ausência de uma solução concreta, como a efetivação da transferência para a Feira do Jurunas, agrava o conflito.
Até o momento, a Polícia Militar e a Secretaria Municipal de Segurança, Ordem Pública e Mobilidade (Segbel) não se pronunciaram sobre o episódio, deixando a população sem respostas claras sobre o uso da força policial contra trabalhadores que buscam apenas exercer seu ofício.
Fica o mau exemplo: reprimir a agricultura familiar é enfraquecer a economia local, comprometer a sustentabilidade e ignorar a riqueza cultural e produtiva do interior. Enquanto a cidade se prepara para receber o mundo na COP 30, é paradoxal que iniciativas alinhadas aos princípios de sustentabilidade, como a comercialização de produtos orgânicos, sejam tratadas como obstáculo.
A prefeitura precisa agir com urgência para garantir um espaço digno aos feirantes, respeitando seu papel essencial na construção de uma Belém mais autossuficiente e comprometida com o meio ambiente. A luta desses produtores não é apenas por um lugar na rua, mas por reconhecimento, dignidade e pelo direito de alimentar a cidade com o que o Pará tem de melhor.
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