Já transcorreram mais de setenta anos, desde a última vez em que alguém tomou a iniciativa de lembrar os méritos do engenheiro paraense José Agostinho dos Reis, num espaço do poder institucional do Brasil.
Embora o engenheiro tenha sido uma dessas figuras que despertam interesse e intrigam pela atuação incomum para um ex-escravo liberto, no Brasil do final do século XIX e início do século XX, como escreveu Cíntia Magno, em seu artigo “Os negros paraenses que lutaram contra a escravidão.
Nascido em Belém, no ano de 1853, José Agostinho foi alforriado pela própria mãe, a quitandeira Leonarda Maria de Jesus Portugal.
Graças a ela, pôde estudar em escolas católicas, e, depois, se mudar para o Rio de Janeiro.
Lá, cursou Engenharia, obtendo o título de bacharel em Física e Matemática.
Mais tarde, tornou-se Doutor em Ciências Físicas e Naturais.
E, sequer foi um paraense quem lembrou de José Agostinho, naquele momento.
Mas, o carioca Francisco Gallotti, também engenheiro e advogado, que exercia um mandato de senador da República.
Gallotti, no dia 18 de novembro de 1953, se dirigiu à tribuna do Senado Federal para homenagear postumamente José Agostinho.
Enquanto pronunciava seu discurso, o carioca foi aparteado por dois outros senadores.
Ambos reafirmaram os méritos de Agostinho, como registrou o Diário do Congresso Nacional, no dia seguinte, à sua página 1611.
Eram eles: o fluminense Mozart Lago – também professor, jornalista e ex-secretário do Ministro da Justiça, do Governo Arthur Bernardes.
E Othon Mader, natural do Paraná, e, também engenheiro, geógrafo e ex-diretor do Departamento de Geografia, Terras, Geologia e Mineração.
Se José Agostinho mereceu aquelas homenagens, no Rio, mereceria, certamente, outras, de iniciativa dos paraenses, em seu Estado natal.
Afinal, que outro engenheiro do Pará chegou a dirigir a mais importante escola da História do Ensino da Engenharia, no Brasil – a Politécnica, do Rio de Janeiro?
E Agostinho não foi apenas diretor da Politécnica.
Também participou de eventos importantes para a História das Ciências e a História da Cultura, do Brasil.
Um destes eventos foi nada menos que a recepção a Albert Einstein, quando o físico chegou ao Rio de Janeiro, no dia 21 de março de 1925.
Naquele dia, Einstein esteve na escola dirigida pelo paraense.
Sua visita está reconstituída no site da Fundação Carlos Chaga, através da transcrição de uma publicação não identificada do Instituto Oswaldo Cruz, de maio de 1925.
A publicação diz que Einstein, na tarde daquele dia, se dirigiu “para a Escola Politécnica, onde foi recebido pelo respectivo diretor, Dr. José Agostinho dos Reis, e, vários membros da Congregação”.
E, prossegue:
“Pouco depois das quatro horas da tarde, era Einstein conduzido ao salão da Congregação da Escola – no segundo andar do seu edifício, e, ao lado da rua do teatro -, salão esse que se achava repleto de homens de ciência, acadêmicos, e, várias senhoras. Depois de saudado pelo Dr. José Agostinho dos Reis, em nome da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, Einstein agradeceu essa saudação e deu início à sua conferência sobre a Teoria da Relatividade, que terminou sob grandes aplausos”.
Três anos mais tarde, José Agostinho participaria de mais um evento histórico, outra recepção, no Rio de Janeiro.
Desta vez, a Alberto Santos Dumont.
Ao lado dele, estava Aarão Reis, o engenheiro paraense que planejou Belo Horizonte.
Santos Dumont desembarcou do transatlântico alemão “Cap. Arcona”, no Rio de Janeiro, dia 3 de dezembro de 1928.
Era seu regresso definitivo ao Brasil, já que ele morreria, quatro anos depois, no Guarujá, depois de ter vivido por vários anos no Exterior.
O desembarque foi assistido por Henrique Furtado Portugal, aluno do 1° ano da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, que se tornaria, depois, o grande sanitarista introdutor das vacinas contra a tuberculose e o mal de Hansen, em Minas Gerais.
Quarenta e cinco anos mais tarde, Henrique Furtado relembraria a chegada de Santos Dumont, num artigo publicado em agosto de 1973, pelo Suplemento Pedagógico do jornal Minas Gerais, o Diário Oficial mineiro.
Nele, Henrique contou que o inventor “foi de pé, em automóvel aberto, empurrado pelo povo, em todo trajeto da Avenida Rio Branco, da Praça Mauá, ao Palácio Monroe, debaixo de frenéticos aplausos da massa”.
Henrique acrescentou:
“Dentre as comissões de recepção, devem ser assinaladas a do clube de Engenharia, cujo Presidente era Paulo de Frontin e que se compunha dos engenheiros José Agostinho, Sampaio Corrêa, Aarão Reis, Alcindo Chavantes Júnior e Frederico Liberalli”.
Em outubro de 1931, Agostinho se tornou um dos três membros da comissão à qual foi atribuída a responsabilidade de escolher a estátua do Cristo Redentor que seria construída no morro do Corcovado.
Quanto ao Pará, os registros mais antigos da atuação de Agostinho estão íveis a quem se disp a buscá-los em microfilmes arquivados no Centur.
Nestes microfilmes, há a reprodução de jornais que circularam em Belém, no ano de 1886.
Um deles, o Liberal do Pará, revela que, no dia 1° de maio de 1886, Agostinho presidiu a reunião na qual foi criado o Clube de Engenharia do Pará.
A reunião ocorreu na casa da Rua Formosa (atual 13 de Maio), de número 64.
Na ocasião, Agostinho era ainda um jovem engenheiro.
E discursou – salienta o jornal -, enfatizando a necessidade de fundação do clube, naquele século, de grande desenvolvimento na indústria e nos diversos ramos de atividades humanas.
Próximo à casa onde foi fundado o Clube de Engenharia, seria instalada a Academia Paraense de Letras, antes de ela se fixar na Rua João Diogo.
Isto aconteceu em 1959, portanto seis anos após a homenagem no Senado Federal.
Infelizmente, o antigo prédio da academia foi deixado em estado de completo abandono.
Como a memória de José Agostinho dos Reis, no Pará.
*Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista
Translation (tradução)
Former Slave from Pará Welcomed Einstein and Santos Dumont in Rio
More than seventy years have ed since anyone last took the initiative to recognize the merits of the engineer from Pará, José Agostinho dos Reis, within Brazil’s institutional halls of power.
Though this engineer was one of those remarkable figures who spark curiosity and intrigue due to his extraordinary achievements as a freed former slave in late 19th and early 20th century Brazil, as Cíntia Magno wrote in her article “The Black People from Pará Who Fought Against Slavery,” his story remains largely overlooked.
Born in Belém in 1853, José Agostinho was freed by his own mother, the street vendor Leonarda Maria de Jesus Portugal. Thanks to her, he was able to study in Catholic schools and later move to Rio de Janeiro. There, he pursued Engineering, earning a bachelor’s degree in Physics and Mathematics, and later becoming a Doctor of Physical and Natural Sciences.
Remarkably, it was not someone from Pará who recalled José Agostinho’s legacy at that time, but rather Francisco Gallotti, a Rio de Janeiro native, engineer, lawyer, and then-senator of the Republic. On November 18, 1953, Gallotti took to the Senate floor to posthumously honor José Agostinho. During his speech, as recorded on page 1611 of the National Congress Gazette the following day, Gallotti was interrupted by two other senators, both of whom reaffirmed Agostinho’s merits.
They were Mozart Lago from Rio de Janeiro—a professor, journalist, and former secretary to the Minister of Justice under President Arthur Bernardes—and Othon Mader from Paraná, also an engineer, geographer, and former director of the Department of Geography, Land, Geology, and Mining.
If José Agostinho deserved such tributes in Rio, he surely merits further recognition from his home state of Pará. After all, what other engineer from Pará rose to direct the most prestigious engineering school in Brazil’s history—the Polytechnic School of Rio de Janeiro?
Agostinho’s contributions went beyond his role as director of the Polytechnic. He was a key figure in significant events in the history of Brazilian science and culture. One such event was none other than the reception of Albert Einstein when the physicist arrived in Rio de Janeiro on March 21, 1925. On that day, Einstein visited the school led by the engineer from Pará. His visit is documented on the Carlos Chagas Foundation website, through a transcription of an unidentified publication from the Oswaldo Cruz Institute, dated May 1925.
The publication states that Einstein, that afternoon, “headed to the Polytechnic School, where he was received by its director, Dr. José Agostinho dos Reis, and several of the faculty.” It continues: “Shortly after four in the afternoon, Einstein was led to the school’s faculty hall—on the second floor of the building, adjacent to the theater street—a hall filled with scientists, academics, and several women. After being greeted by Dr. José Agostinho dos Reis on behalf of the Polytechnic School of Rio de Janeiro, Einstein thanked him and began his lecture on the Theory of Relativity, which concluded to great applause.”
Three years later, José Agostinho participated in another historic event in Rio de Janeiro: the reception of Alberto Santos Dumont. Alongside him was Aarão Reis, the engineer from Pará who designed Belo Horizonte. Santos Dumont disembarked from the German transatlantic liner Cap Arcona in Rio de Janeiro on December 3, 1928, marking his definitive return to Brazil, as he would away four years later in Guarujá after living abroad for several years.
The event was witnessed by Henrique Furtado Portugal, a first-year medical student at the Faculty of Medicine in Rio de Janeiro, who later became a renowned public health expert responsible for introducing vaccines against tuberculosis and Hansen’s disease in Minas Gerais. Forty-five years later, in August 1973, Henrique recounted Santos Dumont’s arrival in an article published in the Pedagogical Supplement of Minas Gerais, the official state newspaper.
He described how the inventor “stood in an open car, pushed by the crowd along the entire route of Rio Branco Avenue, from Mauá Square to the Monroe Palace, amid frenetic applause from the masses.” Henrique added: “Among the reception committees, the one from the Engineering Club, chaired by Paulo de Frontin and composed of engineers José Agostinho, Sampaio Corrêa, Aarão Reis, Alcindo Chavantes Júnior, and Frederico Liberalli, must be highlighted.”
In October 1931, Agostinho was one of three of the commission tasked with selecting the Christ the Redeemer statue to be built on Corcovado Hill.
As for Pará, the earliest records of Agostinho’s activities are accessible to those willing to search microfilms archived at the Centur. These microfilms reproduce newspapers circulated in Belém in 1886. One of them, Liberal do Pará, reveals that on May 1, 1886, Agostinho presided over the meeting that established the Pará Engineering Club.
The meeting took place at house number 64 on Rua Formosa (now 13 de Maio). At the time, Agostinho was still a young engineer. The newspaper notes that he spoke, emphasizing the need to found the club in a century of great industrial and human progress.
Near the house where the Engineering Club was founded, the Pará Academy of Letters would later be established, before settling on Rua João Diogo. This occurred in 1959, six years after the Senate tribute. Sadly, the old Academy building has been left in a state of complete abandonment—much like the memory of José Agostinho dos Reis in Pará.
Oswaldo Coimbra is a writer and journalist
(Illustration: José Agostinho dos Reis)