O povo Marubo, um dos grupos indígenas que habita o isolado Vale do Javari, no oeste do Amazonas, ingressou com uma ação judicial contra o jornal norte-americano The New York Times (NYT) por difamação. O processo, que tramita em um tribunal de Los Angeles, contesta o conteúdo de uma reportagem publicada em julho de 2024, que, segundo os autores da ação, os retrata de forma depreciativa como “viciados em pornografia” e “incapazes de lidar com a internet”.
Além do NYT, também foram incluídos na ação os portais TMZ e Yahoo, acusados de amplificar de maneira sensacionalista o conteúdo original da reportagem. A matéria, assinada pelo jornalista Jack Nicas e publicada em 19 de julho de 2024, aborda o impacto da chegada da internet via satélite — fornecida pela empresa Starlink, de Elon Musk — nas aldeias Marubo, destacando supostas mudanças nos hábitos dos jovens indígenas.
Na matéria, o jornalista relata que, com menos de um ano de o à internet, a comunidade indígena já estaria enfrentando “os mesmos desafios que o resto do mundo lida há anos com a digitalização”, incluindo adolescentes viciados em celulares, videogames violentos, fake news e o consumo de pornografia. Um trecho, em especial, causou revolta entre os Marubo: o que afirma que jovens estavam compartilhando vídeos pornográficos em grupos de bate-papo, comportamento descrito como alarmante para uma cultura que sequer aceita demonstrações públicas de afeto, como o beijo.
Segundo os Marubo, tais alegações “transmitem ao leitor comum que o povo indígena havia decaído moral e socialmente”, como consequência do o à tecnologia. Para eles, a narrativa publicada pelo NYT não apenas distorce a realidade, como reforça estereótipos coloniais e preconceituosos.
“Essas declarações não eram apenas inflamatórias, mas atacam diretamente o caráter, a moralidade e a posição social de todo um povo”, diz a petição apresentada à Justiça dos EUA. “Elas sugerem que nos faltam disciplina ou valores para existir de forma autônoma no mundo moderno.”
O processo exige uma indenização milionária por danos morais e reputacionais, além da retratação pública por parte dos veículos envolvidos. Os Marubo argumentam que a exposição internacional os colocou em situação de constrangimento e julgamento global injustificado, ignorando contextos culturais e a complexidade de sua relação com a tecnologia.
Além disso, a ação busca responsabilizar os portais TMZ e Yahoo por disseminarem a matéria de forma sensacionalista, o que, segundo os indígenas, intensificou o impacto negativo das informações divulgadas pelo NYT.
Organizações de direitos indígenas e ativistas culturais manifestaram apoio aos Marubo, apontando que o caso expõe uma prática recorrente de narrativas midiáticas ocidentais que retratam povos tradicionais sob lentes distorcidas, sem ouvir ou considerar suas próprias vozes.
“O problema não está em discutir os impactos da internet, mas em fazê-lo sem o mínimo de respeito, diálogo ou contextualização. Os Marubo não foram ouvidos como sujeitos, e sim tratados como objetos de um experimento exótico”, declarou uma liderança indigenista da região.
Até o momento, The New York Times e os demais portais citados não se pronunciaram oficialmente sobre o processo. O jornalista Jack Nicas também não comentou publicamente as acusações.
O caso levanta um debate importante sobre o papel da mídia internacional na cobertura de comunidades tradicionais, especialmente em contextos de alta exposição digital. Até que ponto a liberdade de imprensa pode ser exercida sem ferir a dignidade de povos originários? E quem deve contar suas histórias?
Enquanto o processo segue tramitando na Justiça dos EUA, os Marubo esperam não apenas por reparação, mas por reconhecimento de sua autonomia narrativa e respeito à sua identidade. “Somos um povo que pensa, sente, se comunica e que está aprendendo a lidar com a tecnologia — como qualquer outro. Mas queremos fazer isso do nosso jeito”, afirmou um porta-voz da comunidade.
Com informações do portal Metrópoles e G1
Leia a matéria do NYT: https://www.nytimes.com/pt/2024/07/19/world/americas/a-ultima-fronteira-da-internet-aldeias-remotas-da-amazonia.html