Cerca de 400 mil moradores e visitantes de Belém certamente leram o nome de Sebastião Sodré da Gama, escrito com letras grandes, bem visíveis, na entrada do Planetário do Pará, ao longo dos cinco anos anteriores à última das reformas de suas instalações.
O nome de Sebastião, com esta reforma, foi substituído ali pelo nome da área de estudos e pesquisas da UEPa, a instituição a que pertence o planetário, o CPA- Centro de Ciências e Planetário do Pará.
Aquela divulgação intensiva, por tanto tempo do nome de Sebastião naquele local, porém, não evitou o quase completo esquecimento de quem ele foi, por parte dos paraenses.
Nem o desconhecimento das razões pelas quais nosso planetário recebeu o nome dele.
Sebastião foi um cientista, nascido em Belém, que dirigiu com brilho, durante 21 anos, o mais importante centro de pesquisas astronômicas do Brasil, o Observatório Nacional do Rio de Janeiro, diz o site do planetário.
O próprio site do Observatório Nacional informa como transcorreram aqueles anos da gestão de Sebastião, estendida deste 1930 até 1951, quando ele morreu.
Diz o site que naquele período o observatório foi atingido por muitos cortes orçamentários impostos à istração do Brasil pela 2ª. Guerra Mundial.
Mas que Sebastião não permitiu sua boa gestão fosse inviabilizada por estas restrições de recursos.
O site lista entre as realizações dele a pavimentação da rua que circunda o campus do observatório, e, as construções do depósito, da oficina, e, da sala do planetário, assim como da maioria das casas destinadas a seus funcionários.
O site informa ainda que o paraense “foi responsável pelo Regimento de 1940, que reestruturou o observatório e possibilitou a ampliação do quadro de funcionários”.
Foi sob a direção de Sebastião que o observatório iniciou o estudo das irregularidades do longo período de rotação da Terra, e, fez observações de ocultações de estrelas pela Lua.
Em sua gestão, foram, ainda, implantadas pelo observatório 26 estações destinadas a realizar levantamentos geofísicos de medição das variações do campo magnético da Terra, no Brasil, a primeiro das quais, em Tatuoca, na Baía do Guajará, no Pará.
E, foi criado o Serviço da Hora, reconhecido pelo Serviço Internacional de Longitudes, como estação fundamental da Hora no Hemisfério Sul.
Curiosamente, Sebastião pôde fazer tudo apenas como engenheiro civil, com a formação especializada em Matemática, que ele começou a receber quando ingressou na Escola Politécnica do Rio de Janeiro.
Ali mesmo, depois de formado, começou sua carreira no magistério.
Pois, Sebastião se inscreveu num concurso de seleção de professores da própria escola.
Neste concurso, seu desempenho diante da banca examinadora foi assistido por um dos fundadores, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, do Ministério de Ciência e Tecnologia, Francisco Mendes de Oliveira Castro.
Na época, ele era um jovem de 17 anos.
O que Francisco Mendes viu foi relatado por ele mesmo, em 1988, durante uma entrevista concedida aos Arquivos Históricos, da Universidade de Campinas – Unicamp.
Contou Francisco Mendes:
“Naquele tempo, o concurso era uma tourada. Uma banca era formada por um presidente e quatro examinadores. Os examinadores só se preocupavam em achar defeitos nas teses dos candidatos”.
Sebastião Sodré, ainda assim, foi aprovado.
Em 1920, ele lecionava na Politécnica, quando a escola “atingiu o apogeu de sua fama e prestígio, e, ficou, merecidamente, conhecida dentro e fora do Brasil”, diz Pedro Telles, em “História da Engenharia no Brasil”.
Mas, o paraense participava ativamente também da vida acadêmica, fora da Politécnica.
O Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930) o incluiu entre os professores fundadores do atual Instituto de Veterinária da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, quando ele tinha 29 anos.
Com 33 anos, Sebastião se tornou um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Ciência, hoje Academia Brasileira de Ciências – ABC, onde se reúnem os mais eminentes cientistas do país, como registra aquele dicionário.
No ambiente interno da Politécnica, ele era muito respeitado.
Participava de “um grupo de elite, que devia seguir unido até o fim do curso de Engenharia Civil, e, continuar triunfante pela vida afora, sempre solidário e amigo”.
Como revelou outro integrante daquele grupo, Ernesto Costa, colega de turma de Sebastião, aquele que, mais tarde, se tornaria o criador do atual Instituto Nacional Tecnologia – INT, integrado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
O depoimento de Ernesto a respeito de Sebastião está no livro sobre a História do INT, publicado em 1982, por Simon Schwartzman e Maria Helena Castro
Em outro livro, já citado, também de ex-aluno da Escola Politécnica, o de Pedro Telles, consta o seguinte:
“No ensino de Mecânica Racional havia dois Gamas, ambos notáveis”.
Eles eram Sebastião, e, Lélio Gama. O “Gamão” e o “Gaminha”, como Telles os chama, com o afeto.
Em seguida, Telles faz uma revelação.
Os Gamas revolucionaram o ensino de Mecânica Racional, com a introdução, no Brasil, da Análise Vetorial, uma ferramenta poderosa na descrição de campos e de forças, em uma, duas, e, três dimensões.
Foi Lélio quem substituiu Sebastião na direção do Observatório Nacional, quando o cientista paraense morreu.
Assim, se manteve a dupla Gamão e Gaminha.
Tornando a ligação “vida afora” de Sebastião com seus colegas capaz de, na verdade, ir além da própria vida.
*Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista
Translation (tradução)
Brilliant paraense scientist advanced Earth rotation studies in Brazil
Around 400,000 residents and visitors of Belém likely read the name Sebastião Sodré da Gama, prominently displayed in large, visible letters at the entrance of the Pará Planetarium during the five years leading up to its most recent renovation.
With that renovation, Sebastião’s name was replaced by the title of the research and study division of UEPA—the institution that oversees the planetarium – now officially called the CPA – Centro de Ciências e Planetário do Pará (Center for Science and Planetarium of Pará).
However, that long-standing public display of Sebastião’s name was not enough to prevent his near-complete erasure from public memory among the people of Pará.
Nor did it foster an understanding of why the planetarium once bore his name.
Sebastião was a scientist born in Belém who brilliantly led Brazil’s most important astronomical research institution, the National Observatory of Rio de Janeiro, for 21 years, according to the planetarium’s website.
The National Observatory’s own website provides insight into Sebastião’s tenure, which extended from 1930 until his death in 1951.
It explains that during this period, the observatory suffered numerous budget cuts as a result of World War II.
Even so, Sebastião ensured that his istration remained effective despite those financial constraints.
His accomplishments listed on the site include paving the road that surrounds the observatory campus and overseeing the construction of a warehouse, a workshop, the planetarium hall, and most of the housing units for observatory staff.
The site also notes that the Paraense scientist was responsible for drafting the 1940 Statute, which restructured the observatory and enabled staff expansion.
It was under Sebastião’s leadership that the observatory began its study of irregularities in the Earth’s long-period rotation and conducted observations of star occultations by the Moon.
His istration also established 26 geophysical monitoring stations across Brazil to measure variations in the Earth’s magnetic field—the first of which was installed in Tatuoca, located in the Guajará Bay, in Pará.
Moreover, Sebastião created the Time Service, which was recognized by the International Longitude Service as the Southern Hemisphere’s fundamental timekeeping station.
Curiously, Sebastião accomplished all of this with a background only in civil engineering, having received specialized training in mathematics when he entered the Polytechnic School of Rio de Janeiro.
There, after graduating, he began his academic career.
He applied to a faculty selection competition held by the same institution.
Present during his evaluation by the examining board was a 17-year-old named Francisco Mendes de Oliveira Castro, who would later become one of the founders of the Brazilian Center for Physics Research (CBPF), under the Ministry of Science and Technology.
Francisco Mendes recounted the experience in a 1988 interview with the Historical Archives of the University of Campinas (Unicamp):
“Back then, the selection process was like a bullfight. The board had a president and four examiners, all focused on finding flaws in the candidates’ theses.”
Even so, Sebastião Sodré ed the exam.
By 1920, he was teaching at the Polytechnic, during what Pedro Telles, in History of Engineering in Brazil, describes as the school’s “apex of fame and prestige, when it became deservedly known both nationally and internationally.”
But Sebastião was also active in academic circles beyond the Polytechnic.
The Historical-Biographical Dictionary of the Health Sciences in Brazil (1832–1930) lists him as one of the founding professors of what is now the Veterinary Institute at the Federal Rural University of Rio de Janeiro—when he was only 29.
At 33, Sebastião became one of the founders of the Brazilian Society of Science, now known as the Brazilian Academy of Sciences (ABC) – home to the country’s most eminent scientists, according to the same dictionary.
Within the Polytechnic, he was held in high esteem.
He was part of an “elite group expected to stay united through the entire civil engineering program and go on to succeed in life, always loyal and close,” according to classmate Ernesto Costa – who would later create the present-day National Institute of Technology (INT), part of the Ministry of Science and Technology.
Ernesto’s of Sebastião appears in a book on the history of the INT, published in 1982 by Simon Schwartzman and Maria Helena Castro.
Another Polytechnic alumnus, Pedro Telles, writes:
“In Rational Mechanics instruction, there were two Gamas, both remarkable.”
They were Sebastião and Lélio Gama—affectionately nicknamed “Big Gama” and “Little Gama” (Gamão and Gaminha), by Telles.
Telles goes on to reveal:
The Gamas revolutionized the teaching of Rational Mechanics in Brazil by introducing Vector Analysis—a powerful tool for describing fields and forces in one, two, and three dimensions.
Lélio succeeded Sebastião as director of the National Observatory following the Paraense scientist’s death.
Thus, the Gamão-Gaminha duo lived on – making the lifelong bonds Sebastião formed with his peers endure beyond his own lifetime.
*Oswaldo Coimbra is a writer and journalist
(Illustration: Entrance gate of the Planetarium before its renovation)