Ex-ministro do Turismo é preso em Recife em ação autorizada por Alexandre de Moraes, que reconsidera prisão de delator-chave
Brasília –Em uma reviravolta nos desdobramentos de investigações que apuram tentativas de obstrução de justiça e conexões com a trama golpista que visava subverter o Estado Democrático de Direito no Brasil, em nova fase das apurações, a Polícia Federal prendeu Gilson Machado, ex-ministro do Turismo do governo de Jair Bolsonaro (PL), nesta sexta-feira (13), em Recife (PE). A ordem de prisão, expedida pelo ministro Alexandre de Moraes, acusa Machado de tentativa de obstrução de justiça ao supostamente auxiliar o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, a obter um aporte para deixar o país. Simultaneamente, um mandado de prisão que também havia sido expedido contra Mauro Cid foi revogado pelo próprio ministro Moraes momentos antes de ser cumprido em Brasília, em função de sua colaboração com a justiça.
A prisão volta a agitar o cenário político e jurídico brasileiro. A ação que resultou na prisão do ex-ministro Gilson Machado Neto estabelece uma mudança de curso na situação do tenente-coronel Mauro Cid.
Considerado por muitos um dia amaldiçoado, o raio do dia desta sexta-feira (13), fez o Sol nascer quadrado para o empresário e ex-ministro Gilson Machado, um empertigado bolsonarista. A operação cumprida pelos federais nas primeiras horas do raiar do dia, se insere no complexo quadro de investigações conduzidas pelo STF que miram figuras ligadas ao governo anterior e apuram condutas que atentam contra o Estado Democrático de Direito.
Contexto da Ação
A operação desta sexta-feira se insere no âmbito de investigações mais amplas conduzidas pelo STF, sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes. Conhecido por sua atuação firme em inquéritos sensíveis, Moraes é o responsável por apurações cruciais sobre atos antidemocráticos, incluindo a tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022, que culminou nos ataques de 8 de janeiro de 2023.
Mauro Cid, tenente-coronel do Exército, tornou-se uma figura central nas investigações após servir como ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro. Cid firmou um acordo de delação premiada com a Polícia Federal, fornecendo informações sobre a suposta trama golpista e outros ilícitos, como a falsificação de cartões de vacina. Ele já havia sido indiciado em novembro de 2024 na Operação Contragolpe e denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em fevereiro de 2025 por crimes como golpe de Estado e organização criminosa.
Gilson Machado Neto atuou como ministro do Turismo no governo Bolsonaro entre 2020 e 2022, sendo uma figura próxima ao ex-presidente. Sua prisão representa um novo desdobramento nas investigações que miram o círculo íntimo de Bolsonaro.
A Polícia Federal (PF), órgão responsável pela execução dos mandados judiciais, atuando como braço investigativo em âmbito federal. Nesta operação, agentes federais foram mobilizados para efetuar prisões e buscas em diferentes localidades.
Motivação das prisões
A principal motivação para a prisão de Gilson Machado e para a expedição inicial do mandado contra Mauro Cid, segundo as investigações, é a suspeita de obstrução de justiça. A Procuradoria Geral da República (PGR) e a PF apuram a suposta atuação de Machado em uma tentativa de auxiliar Mauro Cid a obter um aporte português e, consequentemente, deixar o Brasil. Essa manobra é interpretada pelas autoridades como um esforço para que Cid se furtasse à aplicação da lei penal, especialmente considerando a proximidade do encerramento da instrução processual dos inquéritos nos quais ele é réu e colaborador.
Investigadores apontam que Machado teria atuado em maio deste ano junto ao consulado de Portugal em Recife (PE) para viabilizar a emissão do documento para Cid. Arquivos encontrados no celular de Mauro Cid indicariam que ele buscava a cidadania portuguesa desde janeiro de 2023.
Embora o mandado de prisão contra Mauro Cid tenha sido revogado, a ação contra ele e a prisão de Machado sublinham a gravidade com que as autoridades encaram qualquer tentativa de interferir no curso das investigações sobre a intentona golpista e outros crimes correlatos.
Detalhes da Operação
A operação foi deflagrada simultaneamente em diferentes estados. Gilson Machado foi preso em sua residência em Recife, Pernambuco. Em Brasília, a Polícia Federal dirigiu-se à residência de Mauro Cid, no Setor Militar Urbano (SMU), para cumprir o mandado de prisão. No entanto, a ordem contra Cid foi revogada pelo ministro Alexandre de Moraes no momento em que estava sendo cumprida, antes que ele fosse efetivamente detido. A decisão de revogar o mandado, emitida poucas horas após sua expedição, considerou que não haveria, neste momento da investigação, elementos suficientes para justificar a medida extrema contra o tenente-coronel.
Além da prisão de Machado, a operação envolveu o cumprimento de mandados de busca e apreensão em endereços ligados aos investigados. O objetivo é coletar documentos, anotações, registros, mídias e aparelhos eletrônicos que possam aprofundar as apurações sobre a tentativa de obstrução e outras linhas investigativas. As prisões, incluindo a inicialmente determinada para Cid, tinham caráter preventivo, visando evitar possíveis interferências nas investigações.
Repercussões
As ações desta sexta-feira intensificam o escrutínio sobre o entorno do ex-presidente Jair Bolsonaro e reforçam a percepção de que as investigações sobre a tentativa de golpe de Estado e atos antidemocráticos seguem avançando. A prisão de um ex-ministro e a expedição, mesmo que revogada, de um mandado contra um delator-chave como Mauro Cid, sinalizam a determinação das autoridades em coibir qualquer tentativa de obstrução à justiça.
A PGR argumentou que, mesmo que a emissão do aporte português para Cid não tenha se concretizado, a suposta ação de Gilson Machado evidencia uma tentativa de interferência nas investigações.
A defesa de Mauro Cid, por sua vez, tem reiterado a confiança na justiça e negado qualquer tentativa de fuga ou conhecimento da suposta articulação de Gilson Machado para obtenção do aporte. Alegam que o pedido de cidadania portuguesa por parte de Cid teria motivações familiares, uma vez que sua esposa e filhas já possuem a cidadania.
No cenário político, as prisões geraram reações diversas. Aliados dos investigados manifestaram preocupação, enquanto opositores e setores da sociedade civil ressaltaram a importância das investigações para a responsabilização dos envolvidos em atentados contra o Estado Democrático de Direito.
Próximos os
Com a prisão de Gilson Machado, espera-se que ele seja interrogado pela Polícia Federal nos próximos dias para prestar esclarecimentos sobre sua suposta participação na tentativa de facilitar a saída de Mauro Cid do país. O ex-ministro também poderá ser questionado sobre outros fatos relacionados às investigações em curso.
Mauro Cid, embora não tenha sido preso, deverá ser ouvido pela Polícia Federal ainda nesta sexta-feira para prestar novos esclarecimentos sobre os fatos que motivaram a expedição do mandado contra si.
A análise dos materiais apreendidos durante as buscas será crucial para o avanço das investigações, podendo revelar novas conexões, confirmar suspeitas e, eventualmente, levar a novas fases da operação ou ao indiciamento de outros envolvidos. O STF e a PGR continuarão a supervisionar o andamento dos inquéritos, que se aproximam de fases decisivas. As autoridades reforçam que as prisões e investigações seguem o devido processo legal e não implicam culpa prévia.

Personagens
Alexandre de Moraes: ministro do Supremo Tribunal Federal desde 2017, volta ao palco principal da política cada vez mais judicializada, tornando-se uma figura central na condução de inquéritos de grande repercussão, incluindo os que investigam atos antidemocráticos, a suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022, e outras irregularidades. Suas decisões têm sido determinantes para o avanço dessas apurações.
Mauro Cid: Tenente-coronel do Exército Brasileiro, Cid serviu como ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, ocupando uma posição de extrema confiança. Seu nome ganhou notoriedade ao ser implicado em diversas frentes de investigação, como fraudes em cartões de vacinação, o suposto comércio ilegal de joias presenteadas à Presidência, e na investigação sobre uma suposta estrutura clandestina na Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Cid assumiu papel central nas investigações por sua colaboração premiada, na qual teria detalhado planos para impedir a posse do presidente eleito e prender autoridades, incluindo o próprio ministro Alexandre de Moraes. Cid já havia sido indiciado em novembro de 2024 no âmbito da Operação Contragolpe.
Gilson Machado Neto: Empresário e político, Machado foi ministro do Turismo no governo Bolsonaro (2020-2022) e é conhecido por sua forte ligação e lealdade ao ex-presidente, sendo frequentemente chamado de “sanfoneiro” devido à sua paixão pela música.
Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.