Indústria, agronegócio e finanças se mobilizam contra medida que encarece crédito e importações, alertando para impacto bilionário na economia
Brasília – A última quinta-feira (22), marcou um ponto de inflexão na relação entre o governo e o setor produtivo brasileiro. O anúncio do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) por parte do governo federal gerou uma reação imediata e unificada de diversas confederações e associações representativas da indústria, agronegócio, comércio, bancos e seguradoras. A medida, que atinge operações de crédito para empresas, investimentos de pessoas físicas acima de R$ 50 mil por mês em previdência privada (VGBL) e operações cambiais, foi recebida com “preocupação” e rapidamente se tornou o epicentro de uma mobilização sem precedentes.
Em um manifesto conjunto distribuído nesta segunda-feira (26), as entidades expressam claramente sua insatisfação e o temor de um ambiente econômico ainda mais desafiador. Como destacado no documento, o aumento do imposto é visto como uma “iniciativa arrecadatória” que “impacta negativamente a construção de um ambiente econômico saudável”. A motivação central do setor privado é a defesa de um ambiente de negócios mais previsível e com menor carga tributária, argumentando que o aumento de impostos não é a solução para o ajuste fiscal.
A medida provocou forte reação do mercado financeiro e críticas internas no governo, o que levou a equipe econômica a rever parte do decreto no mesmo dia da publicação.
A medida provocou forte reação do mercado financeiro e críticas internas no governo, o que levou a equipe econômica a rever parte do decreto no mesmo dia da publicação.

A fala do ministro visa rebater críticas internas no governo de que teria faltado coordenação e estratégia de comunicação para explicar a medida à sociedade. Segundo ele, a decisão de rever o decreto foi técnica e imediata:
“A minha decisão (de recuar) foi absolutamente técnica. Foi tomada horas depois do anúncio, assim que me chegaram as informações sobre o problema.”
Recuos parecem ser rotina e não exceção na pasta da Fazenda. Após ser objeto de desmoralização nas redes sociais com memes que apelidaram o ministro de “Taxad”, o nome é uma referência a projetos propostos pelo governo e votados pelo Congresso para reduzir o déficit público e reorganizar o sistema de impostos no Brasil, como a reforma tributária e a taxação de compras de até US$ 50 em sites internacionais, como Shein e Shopee.
As críticas miram as tentativas do ministro de equilibrar as contas do governo e cumprir a meta fiscal por meio do aumento da arrecadação com impostos, em vez de focar na revisão e corte de gastos.
Após o anúncio, na semana ada do aumento do IOF, nas redes sociais, Fernando Haddad foi chamado de “Zé do Taxão”, em referência ao personagem Zé do Caixão, e “maníaco da taxa”.
Internautas ainda brincaram ao comparar o ministro de Lula com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (Partido Republicano), que impôs taxas a centenas de países em seu segundo mandato.
Os impactos multifacetados do aumento do IOF: um alerta para a economia nacional
Os representantes do setor privado não hesitam em detalhar os impactos negativos que o aumento do IOF trará para a economia. A principal preocupação reside no encarecimento do crédito para empreendimentos produtivos. O manifesto aponta que a medida “aumenta a carga tributária do IOF sobre empréstimos para empresas em mais de 110% ao ano”, o que, por sua vez, expõe assimetrias e eleva significativamente os custos operacionais.
Além do crédito, a tributação sobre o câmbio é outro ponto de grande apreensão. Segundo o documento, essa tributação “impacta a importação de insumos e bens de capital necessários para o investimento privado e a modernização do parque produtivo nacional”. Isso significa que desde matérias-primas até maquinário essencial para a indústria podem ficar mais caros, comprometendo a competitividade e a capacidade de inovação das empresas brasileiras.
Ainda no âmbito financeiro, a taxação sobre o VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre) é uma das modalidades de plano previdenciário privado (previdência privada) adotada no Brasil, é criticada por “ampliar distorções no mercado financeiro, uma vez que outros produtos não foram tributados e desincentiva a formação de poupança nacional de longo prazo em favor de investimentos de curto prazo”. Essa medida pode desestimular o planejamento financeiro de longo prazo dos cidadãos, com repercussões na capitalização do país.
Em termos de custos totais, as projeções apresentadas no manifesto são alarmantes: “Com as medidas, os custos das empresas e dos negócios com operações de crédito, câmbio e seguros serão elevados em R$ 19,5 bilhões apenas no que resta do ano de 2025. Para 2026 o aumento de custo chega a R$ 39 bilhões”. Esses números evidenciam a magnitude do impacto financeiro que o setor privado terá que absorver, o que inevitavelmente será reado para os preços ou resultará em menor investimento e geração de empregos.
A estratégia de pressão do setor privado sobre o Congresso
Diante do cenário de preocupação, o setor privado não ficou inerte. A união de forças é a principal estratégia, materializada na do manifesto por confederações de peso como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), do Agronegócio (CNA), do Comércio e Serviços (CNC), das Instituições Financeiras (CNF), das Seguradoras (CNseg), além da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) e da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB). Essa coalizão representa uma parcela significativa da economia brasileira e, como aponta o documento, essas entidades “têm atuação forte de lobby no Congresso, o que pode pressionar o governo”, além de “convencer” congressistas sobre a vontade expressa do governo em aumentar impostos, repetindo o fracassado plano econômico do segundo governo de Dilma Rousseff (PT), que quase leva o país a falência.
A ação mais concreta até o momento veio do Legislativo, com o líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), apresentando uma proposta de decreto legislativo para sustar o aumento do imposto. Para que essa medida avance, ela precisa ser aprovada pela maioria dos parlamentares tanto na Câmara quanto no Senado. A expectativa é que a pressão do setor privado, aliada à articulação política da oposição, crie um ambiente desfavorável à manutenção do decreto governamental.
O manifesto também reitera a filosofia fiscal do setor privado, que rejeita o aumento de impostos como forma de ajustar as contas públicas. Em vez disso, defendem que “É preciso enfrentar os problemas crônicos do Orçamento para acabar com a contínua elevação de impostos. Construir um desenho institucional mais eficiente é a forma certa de garantir o equilíbrio fiscal, reduzir o enorme custo tributário que trava o crescimento do país e garantir previsibilidade para investidores” num Mundo já conturbado com as tarifas inéditas adotadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que sacudiram a ordem econômica mundial. Essa postura busca não apenas barrar o aumento atual, mas também influenciar uma mudança de paradigma na gestão fiscal do país.
Vozes do mercado e de especialistas
A decisão do governo, mesmo com o recuo parcial que poupou aplicações financeiras de fundos de investimentos e de pessoas físicas no exterior, continua a gerar apreensão entre especialistas. Advogados tributaristas e empresários alertam que “ainda haverá efeitos sobre o dia a dia de multinacionais brasileiras na relação com suas filiais no exterior e também na importação de máquinas e equipamentos”. A reação ao decreto foi imediata. Isso indica que, apesar dos ajustes, a medida ainda carrega um potencial de impacto significativo em operações complexas e essenciais para a economia.
O setor privado, por sua vez, reforça a natureza do IOF como um imposto regulatório, e não arrecadatório. Essa distinção é crucial para a argumentação de que o aumento desvirtua a função original do imposto e o transforma em uma ferramenta de arrecadação emergencial, gerando “imprevisibilidade” e aumentando os custos de produção no país. A mensagem é clara: o Brasil, que já “ostenta uma das maiores cargas tributárias do mundo”, precisa de um ambiente que estimule o crescimento econômico para aumentar a arrecadação, e não de mais impostos que freiam o desenvolvimento.
A união do setor privado contra o aumento do IOF demonstra uma capacidade de articulação e mobilização considerável. A força do lobby das confederações no Congresso é um fator que não pode ser subestimado, e a apresentação de um decreto legislativo para sustar a medida é um o concreto e estratégico. A clareza dos argumentos apresentados no manifesto, que detalham os impactos negativos sobre o crédito, o câmbio e a poupança, confere legitimidade à reivindicação.
No entanto, a eficácia dessa mobilização dependerá de múltiplos fatores. O governo, por sua vez, enfrenta a necessidade de ajustar as contas públicas e pode argumentar que o aumento do IOF é uma medida temporária e necessária para esse fim. A capacidade de convencimento do setor privado terá que superar a urgência fiscal do Executivo e a eventual resistência de congressistas alinhados ao governo. A batalha no Congresso será um teste para a força política do setor produtivo e sua habilidade em construir pontes com diferentes bancadas. A história recente do Brasil mostra que, embora o lobby seja forte, a aprovação de medidas fiscais impopulares ainda é possível, especialmente em momentos de fragilidade econômica. A chave será a capacidade de transformar a “preocupação” em votos contrários ao decreto governamental.
O que esperar da batalha do IOF?
O futuro do aumento do IOF está agora nas mãos do Congresso Nacional. Existem alguns cenários possíveis:
• Anulação do Decreto: Se o decreto legislativo apresentado por Rogério Marinho for aprovado na Câmara e no Senado, o aumento do IOF será sustado. Este seria o cenário ideal para o setor privado, que veria seus custos preservados e a previsibilidade fiscal mantida. As implicações econômicas seriam a não materialização dos R$ 19,5 bilhões e R$ 39 bilhões em custos adicionais, o que poderia aliviar a pressão sobre as empresas e potencialmente estimular investimentos.
• Manutenção do aumento: Caso o Congresso não consiga barrar o decreto, o aumento do IOF será mantido. Neste cenário, as empresas e pessoas físicas terão que arcar com os custos adicionais projetados, o que pode levar a um encarecimento de produtos e serviços, redução da margem de lucro das empresas, desestímulo ao investimento e à modernização do parque produtivo, e um impacto negativo na formação de poupança de longo prazo. A imprevisibilidade e o aumento da carga tributária podem afastar investidores e frear o crescimento econômico.
• Negociação e ajustes: Um cenário intermediário poderia envolver negociações entre o governo e o Congresso, resultando em ajustes ou em uma aplicação mais branda do aumento, talvez com prazos ou escopos reduzidos. Isso dependeria da capacidade de diálogo e da força das pressões políticas.
Independentemente do desfecho, a discussão sobre o IOF reacende o debate sobre a necessidade de uma reforma fiscal mais ampla e a busca por um equilíbrio orçamentário que não dependa exclusivamente do aumento de impostos. O setor privado clama por um “ambiente melhor para crescer”, baseado no “aumento de arrecadação baseado no crescimento da economia, não com mais impostos”. A batalha do IOF é, portanto, um microcosmo de um desafio macroeconômico maior: como o Brasil pode garantir o equilíbrio fiscal sem sufocar sua capacidade produtiva e de investimento. A resposta a essa pergunta moldará o futuro econômico do país.
* Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.